19 O sopro






Depois de interessantes  considerações relativamente à situação dos círculos carnais, Aniceto voltou a examinar nossas necessidades  de  serviço. Muito amável, Alfredo ponderou: –  Em  virtude da tormenta iminente, poderiam demorar  conosco algumas horas, seguindo  amanhã, ao alvorecer. E, com  profunda surpresa, ouvi-o afirmar: –  Poderão utilizar meu carro, até à zona  em  que se torne possível.  Fornecerei  condutor  adestrado e ganharão muito tempo com a medida. Não podia caber em  meu espanto. Embora conhecendo as operações  dos Samaritanos  em  “Nosso  Lar”,  que empregavam grandes veículos  de tração animal,  em trabalhos de salvamento nas  regiões  inferiores  e  considerando  as dificuldades de vulto que defrontáramos na caminhada longa,  rumo  ao Posto de Socorro, não supunha possível  semelhante condução naquele instituto de auxilio. Soube, mais tarde, que os sistemas de transporte, nas zonas mais  próximas  da Crosta, são muito mais numerosos do  que se poderia imaginar, em  bases transcendentes  do eletromagnetismo. Nosso orientador, que parecia meditar gravemente a situação, observou preocupado: –  Entretanto, temos serviços urgentes nos círculos carnais. Vicente e André precisam iniciar aprendizado ativo. Alfredo sorriu, bondoso, asseverando:
–  Quanto a isso, não necessitaremos  de  maiores  cuidados.  Há sempre quefazeres em  toda a parte.  Onde houver espírito de cooperação da  criatura,  existe igualmente o serviço de Deus. Nossos amigos poderiam  colaborar conosco, ainda hoje, nas atividades de assistência. Acompanhar-nos-iam,  por exemplo, nos trabalhos da prece, nos quais há  sempre muita coisa a fazer e muita lição a aprender. –  Excelente sugestão!  – exclamou nosso instrutor.  – A oração individual, ou coletiva, é sempre  vasto reservatório de ensinos edificantes. – Aliás – falou Ismália, afetuosa  –, não devemos demorar. Estamos quase na hora. Nesse momento, como  se fora  chamado, de súbito, à lembrança de grave compromisso de  trabalho, falou o administrador, dirigindo-se  à companheira: –  É preciso prevenir Olívia e  Madalena  das  providências  que se fazem  imperiosas para a noite.  Necessitaremos a colaboração de mais alguns técnicos do sopro. Temos alguns  irmãos  em  estado grave, tomados de impressões físicas mais  fortes. –  Técnicos do sopro? – indaguei, assombrado,  antes que Ismália pudesse fazer qualquer observação referente aos serviços. –  Sim,  meu amigo – respondeu  Alfredo, atenciosamente –, o sopro curador, mesmo na Terra, é sublime privilégio do homem. No entanto, quando encarnados, demoramo-nos muitíssimo  a tomar posse dos grandes tesouros  que  nos  pertencem. Comumente, vivemos por lá, perdendo tempo com  a fantasia, acreditando em  futilidades  ou  alimentando desconfianças.  Quem  pudesse compreender, entre as formas terrestres, toda  a extensão  deste assunto, poderia criar no mundo os  mais eficientes processos soproterápicos.
–  Mas, semelhante  patrimônio está à disposição de qualquer Espírito  encarnado? – perguntou Vicente, compartilhando minha surpresa. Nosso interlocutor pensou alguns  instantes e respondeu, atencioso: –  Como  o passe, que pode ser movimentado pelo maior número de pessoas, com  benefícios  apreciáveis, também o sopro curativo poderia  ser utilizado pela maioria das criaturas, com vantagens  prodigiosas. Entretanto, precisamos acrescentar que, em  qualquer tempo e situação, o esforço individual é imprescindível. Toda realização  nobre requer apoio sério. O bem  divino, para manifestar-se em  ação,  exige a boa vontade  humana. Nossos técnicos  do assunto não se  formaram  de pronto. Exercitaram-se longamente,  adquiriram  experiências a preço alto. Em  tudo há uma ciência de começar. São servidores respeitáveis pelas realizações que atingiram,  ganham  remunerações de  vulto e gozam enorme  acatamento, mas, para isso,  precisam  conservar a pureza da boca e a santidade das intenções. Compreendendo o interesse que  suas  palavras  despertavam, continuou o administrador,  depois  de  pequena  pausa: –  Nos círculos carnais, para que  o sopro se afirme  suficientemente, é imprescindível que o homem  tenha o estômago sadio, a boca habituada a falar o bem,  com abstenção do mal, e a mente reta, interessada em  auxiliar. Obedecendo a esses requisitos, teremos o sopro calmante e revigorador, estimulante e curativo. Através dele, poder-se-á transmitir,  também  na Crosta, a saúde,  o conforto e a vida. E, como  Vicente e eu não pudéssemos ocultar a perplexidade, Alfredo considerou: –  Isto não é novo. Jesus, além  de  tocar naqueles  a quem  curava, concedia-lhes, por vezes, o sopro divino.  O sopro da vida percorre a Criação inteira. Toda  página  sagrada, comentando o principio da  existência, refere-se a isso.  Nunca pensaram  no vento, como sopro criador  da Natureza?  Quanto  a mim, desde o ingresso em  Campo da Paz, quando  fui ali recolhido em  péssimas condições espirituais,  tenho aprendido maravilhosas  lições  nesse particular. Tanto assim  que, chefiando este  Posto, tenho incentivado, com  as possibilidades ao meu alcance,  a formação de novos cooperadores nesse sentido, oferecendo compensações aos que se decidam iniciar a tarefa  de especialização, nem sempre fácil  para todos. A esse tempo, Ismália recebia  algumas colaboradoras de importância, que  se  preparavam  para  a tarefa. Impressionado com  o que ouvira,  acompanhei de perto as providências  que  se  organizavam. Encontrando-me, porém,  mais  a sós com Aniceto, transmitilhe minha enorme  surpresa, respondendo-me  ele em  tom  confidencial: –  Esquecem-se vocês de  que a própria Bíblia,  aludindo  aos primórdios do homem, narra que  o Criador assoprou na forma criada, comunicando-lhe o fôlego  da vida. Referindo-nos aos nossos irmãos encarnados,  faz-se  preciso reconhecer, André, que, mesmo partindo de homens imperfeitos, mas de boa vontade, todo sopro com intenção  de  aliviar  ou  curar tem relevante significação entre as criaturas,  porque todos  nós somos herdeiros diretos do Divino Poder. Aliás,  é necessário observar  também  que não estamos diante de uma exclusividade.  Você, por certo,  passou muito ligeiramente pelo nosso Ministério  do Auxílio. Temos,  ali,  grande instituto especializado nesse sentido, onde nobres colegas se votam  a essa modalidade de cooperação. No plano carnal, toda boca, santamente intencionada, pode prestar  apreciáveis auxílios, notando-se, porém, que  as bocas generosas e  puras poderão distribuir auxílios divinos,  transmitindo fluidos vitais de saúde e reconforto. Esperava  que  Aniceto prosseguisse, mostrando-me  as  qualidades magnéticas do sopro, mas Alfredo acercara-se de nós, operoso e solícito, exclamando: –  Estamos no momento destinado  aos trabalhos de assistência e oração. –  Segui-lo-emos com  prazer – respondeu nosso instrutor, sorrindo. Era necessário  interromper  a lição, atendendo a  deveres diferentes.
Os mensageiros 

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