Ninguém é profeta em sua terra

1.  tendo vindo à sua terra natal, instruía-os nas sinagogas, de sorte que, tomados de espanto, diziam: “donde lhe vieram essa sabedoria e esses milagres? —  não é o filho daquele carpinteiro?  não se chama  maria, sua mãe, e seus irmãos  tiago, José,  simão e Judas?  suas irmãs não se acham todas entre nós?  donde então lhe vêm  todas  essas  coisas?”  —  e  assim  faziam  dele  objeto  de  escândalo.  mas  Jesus lhes disse: “Um profeta só não é honrado em sua terra e na sua casa.” —  e  não fez lá muitos milagres devido à incredulidade deles. (Mateus, 13:54 a 58.) 2.  enunciou Jesus dessa forma uma verdade que se tornou provérbio, que é de todos os tempos e à qual se poderia dar maior amplitude, dizendo que  ninguém  é  profeta em vida. na  linguagem  usual,  essa  máxima  se  aplica  ao  crédito  de  que  alguém goza  entre os  seus  e entre  aqueles  em cujo  seio  vive, à  confiança  que  lhes inspira pela superioridade do saber e da inteligência.  se ela sofre exceções, são raras estas e, em nenhum caso, absolutas.  o  princípio de tal verdade reside  numa  consequência  natural  da  fraqueza humana  e  pode  explicar-se deste modo: o hábito de se verem desde a infância, em todas as circunstâncias ordinárias da vida, estabelece entre os homens uma espécie de igualdade material  que,  muitas  vezes,  faz  que  a  maioria  deles  se  negue  a  reconhecer superioridade  moral  num  de  quem  foram  companheiros  ou  comensais, que saiu do mesmo meio que eles e cujas primeiras fraquezas todos testemunharam.  sofre-lhes  o  orgulho  com  o  terem  de  reconhecer  o  ascendente  do  outro.  Quem  quer  que  se  eleve  acima  do  nível  comum  está  sempre em luta com o ciúme e a inveja.  os que se sentem incapazes de chegar à altura em que aquele se encontra esforçam-se para rebaixá-lo, por meio da difamação, da maledicência e da calúnia; tanto mais forte gritam, quanto menores se acham, crendo que se engrandecem e o eclipsam pelo arruído que promovem. tal foi e será a História da humanidade, enquanto os homens não houverem compreendido a sua natureza espiritual  e alargado seu horizonte moral.  por aí se vê que semelhante preconceito é próprio dos espíritos acanhados e vulgares, que tomam suas personalidades por ponto de aferição de tudo. doutro lado, toda gente, em geral, faz dos homens apenas conhecidos pelo espírito um ideal que cresce à medida que os tempos e os lugares se vão distanciando.  eles são como que despojados de todo cunho de humanidade; parece que não devem ter falado, nem sentido como os  demais;  que  a  linguagem  de  que  usaram  e  seus  pensamentos  hão  de ter ressoado constantemente no diapasão da sublimidade, sem se lembrarem, os que tal imaginam, que o espírito não poderia permanecer constantemente em estado de tensão e de perpétua superexcitação.  no contato da vida privada, vê-se por demais que o homem material em nada se distingue do vulgo.  o  homem corpóreo, que os sentidos humanos percebem, quase que apaga o homem espiritual, do qual somente o espírito se percebe.  De longe, apenas se veem os relâmpagos do gênio; de perto, veem-se as paradas do espírito. depois da morte, nenhuma comparação mais sendo possível, unicamente o homem espiritual subsiste e tanto maior parece, quanto mais longínqua se torna a lembrança do homem corporal.  é  por isso que aqueles cuja passagem pela  terra se assinalou por obras de real valor são mais apreciados depois de mortos do que quando vivos.  são julgados com mais imparcialidade, porque, já tendo desaparecido os invejosos e os ciosos, cessaram os antagonismos pessoais. A posteridade é juiz desinteressado no apreciar a obra do espírito; aceita-a sem entusiasmo cego, se é boa, e a rejeita sem rancor, se é má, abstraindo da individualidade que a produziu. tanto menos podia Jesus escapar às consequências deste princípio, inerente à natureza humana, quanto pouco esclarecido era o meio em que ele vivia, meio esse constituído de criaturas votadas inteiramente à vida material.  nele, seus compatriotas apenas viam o filho do carpinteiro, o irmão de homens tão ignorantes  quanto  ele e, assim sendo, não percebiam o que lhe dava superioridade e o investia do direito de os censurar.  verificando então que a sua palavra tinha menos autoridade sobre os seus, que o desprezavam, do que sobre os estranhos, preferiu ir pregar para os que o escutavam e aos quais inspirava simpatia. pode-se fazer ideia dos sentimentos que para com  ele nutriam os que lhe eram aparentados, pelo fato de que seus próprios irmãos, acompanhados de sua mãe, foram a uma reunião onde  ele se encontrava, para dele  se apoderarem,  dizendo que  perdera o juízo. (Marcos, 3:20 e 21, 31 a 35;  O evangelho segundo o espiritismo, cap. Xiv.) Assim, de um lado, os sacerdotes e os fariseus o acusavam de trabalhar pelo demônio; de outro, era tachado de louco pelos seus parentes mais próximos.  não é o que se dá em nossos dias com relação aos espíritas?  e deverão  estes  queixar-se  de  que  os  seus  concidadãos  não  os  tratem  melhor do que os de Jesus o tratavam?  o  que há de estranhável é que, no século XiX e no seio de nações civilizadas, se dê o que, há dois mil anos, nada tinha de espantoso, por parte de um povo ignorante.

Génese

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