A Vida Futura




Deixando de parte este assunto, vasto e possivelmente litigioso, das modificações que as novas revelações poderão produzir no Cristianismo, tentarei esboçar o que sucede ao homem depois da morte. As provas relativas a este ponto sa-o fortes e cabais.
Em muitos países e em épocas diversas, numerosas mensagens se têm recebido dos mortos, as quais mantêm, com referência a este mundo, grande cópia de informes cuja exatidão se verificou. Assim sendo, parece-me razoável se considere também coma verdade o que, de tais mensagens, escape à nossa verificação. Demais, deparando-se-nos uma uniformidade realmente notável entre essas mensagens e não menor concordância nas particularidades que encerram e que de nenhum modo correspondem a qualquer ordem de idéias preexistentes, julgo que com muita firmeza se pode presumir da veracidade delas. Custa-me a crer que sejam falsas vinte ou trinta comunicações, recebidas de várias origens e acerca das quais possuo notas por mim mesmo tomadas, concordantes todas; nem vejo como se possa supor que os espíritos falem verdade quando tratam do nosso mundo e mentem quando se referem ao em que se acham. Ultimamente, na mesma semana, recebi duas descrições da vida no Atém, a primeira por intermédio de um parente próximo de alto dignitário da Igreja, a segunda pela esposa de um operário mecânico da Escócia. Nenhuma dessas criaturas tinha conhecimento da existência da outra e as duas descrições se assemelham tanto que praticamente são idênticas. As mensagens, a este respeito, parecem-me infinitamente tranqüilizadoras, quer se refiram: ao nosso próprio destino, quer aos dos nossos amigos. Todos os que hão daqui partido são concordes em dizer que a passagem para o Além é, regra geral, ao mesmo tempo fácil e sem sofrimento e seguida de enorme reação de paz e bem-estar. Cada um lá se encontra revestido de um corpo espiritual, reprodução exata do que ficou aqui na terra, com a só diferença de não apresentar a enfermidade, a fraqueza e a deformidade que havia neste último. Esse corpo espiritual, ao dar-se o desprendimento, se conserva imóvel ou flutuando ao lado do de corpo, consciente da existência deste, bem coma da presença das pessoas que o cercam.
Nesse momento, o morto se acha mais próximo da matéria do que o estará dali per diante em qualquer ocasião. Daí vem que então é quando, principalmente, se dão os casos em que, dirigindo-se o pensamento do morto para alguém que se ache distante, o corpo espiritual acompanha o pensamento e aparece a esse alguém. Em cerca de duzentos e cinqüenta desses casos cuidadosamente estudados pelo Sr. Gurney, cento e trinta e quatro de tais aparições ocorreram no instante mesmo da dissolução, isto é, quando, ao que imaginamos, por se achar talvez o corpo espiritual ainda muita materializado, é mais visível para os alhos humanos de uma pessoa amiga do que o será depois. Essas aparições, todavia, são muito raras em comparação com o número total dos que morrem. Ao que suponho, a maior parte das vezes, aquele que morre se encontra por demais preocupada com o que de extraordinário lhe sucede em tal circunstância para pensar nos outros. Com grande surpresa, começa por notar que, apesar de todos os seus esforços para se comunicar com os que ali vê, sua voz e seu tato etéreos nenhuma impressão causam ao organismo humano, que só vibra de harmonia com estímulos mais grosseiros. Belo tema para especulação é o investigar se um conhecimento mais profundo dos raios luminosas que sabemos existir de cada um dos lados do espectro, ou dos sons cuja realidade se pode provar pelas vibrações de um diafragma, conquanto sejam muito sutis para ouvidos mortais, não será de molde a nos levar a mais amplos conhecimentos psíquicos. Deixemos, porém, isto de lado e acompanhemos a sorte do espírito que se vai. Ele observa que, no aposento onde expirou, outras seres se encontram além dos que deixou vivas no mundo e, entre esses outros, que lhe parecem tão substanciais como os vivos, surgem figuras que lhe são familiares e sente que Ihe apertam as mãos e lhe beijam as faces os que ele amara e perdera. Então, na companhia destes e amparado e guiado por um ser mais radioso que, também ali presente, aguardava o recém-chegado, este, cada vez mais
surpreendido, parte, atravessando todos os obstáculos materiais, e entra na sua nova vida. Aqui está uma exposição precisa e o que todos repetem com uma persistência que nos força a crer. Como se vê, muito isto difere do que ensina a velha teologia. O espírito não é, pois, nem um anjo glorificado, nem um duende condenado, mas sim a própria pessoa que daqui se foi, conservando a força ou a fraqueza, a sabedoria ou a loucura, que lhe eram peculiares, exatamente como conserva a aparência corpórea que tinha. Bem se poderia acreditar que, intimidados por tão tremenda experiência, os mais frívolos e insensatos se modificassem para melhor; porém as impressões recebidas logo se embotam, o natural próprio do indivíduo retoma o seu ascendente no novo meio a que ele se transferiu e os frívolos continuam a subsistir, como o podem atestar algumas das nossas sessões particulares. Antes, contudo, de entrar em a sua nova vida, passa o espírito recém-chegado no Além por um período de adormecimento, cuja extensão varia, pois que, mal existindo para uns, para outros dura semanas ou meses. Raymond diz que esse período foi para ele de seis dias. Também foi o mesmo para um outro espírito, num caso de que tive conhecimento pessoal. Por outro lado, disse Myers que muito prolongado fora para ele o período de torpor. Imagino que a duração desse estado é regulada pelo grau de perturbação ou de preocupação mental que a vida terrena cause naquele que acaba de desencarnar. Um repouso mais prolongado oferece o meio de escoimá-lo de tais preocupações. Uma criança provavelmente nenhuma necessidade tem de atravessar esse período. Esta última nota não passa de simples observação especulativa; considerável, porém, é o acervo de opiniões no sentido da existência de um período de esquecimento, seguindo-se à primeira impressão que o espírito recebe da sua nova vida e antecedendo o momento em que entra nela definitivamente.
Ao despertar desse sono, o espírito se sente fraco como a criança que acaba de nascer. Logo, entretanto, lhe voltam às forças e a nova vida começa. Isto nos leva a considerar o céu e o inferno. A idéia do inferno, posso dizer, se vai dissipando totalmente, como de há muito se dissipou da mente de todos os que raciocinam. Tão odiosa concepção, blasfematória, no seu objetivo, do Criador, se originou dos exageros da fraseologia oriental. Talvez tenha prestado serviço em eras primitivas, quando o fogo aterrorizava os homens, como o viajante amedronta as feras. No sentido de um lugar permanente, o inferno não existe. Mas, a idéia de punição, de castigos purificadores, quais os do purgatório, o que se nos diz do Além a confirma. Sem punição, não haveria justiça no Universo, porquanto fora impossível admitir-se que a sorte de um Rasputin seja idêntica à de um Pai Damião. O castigo é realmente certo e muito sério, se bem que, nas suas formas menos severas, consista unicamente em serem as almas mais grosseiras colocadas em esferas inferiores, sabendo que foram suas próprias ações que lhes acarretaram essa situação, nutrindo contudo a esperança de que a expiação e a ajuda dos que lhes estão acima as educarão e elevarão ao mesmo nível das demais. A essa obra de salvação se votam em parte os espíritos mais elevados. Miss Júlio Ames, na sua bela obra póstuma, inseriu estas memoráveis palavras: "A maior alegria do céu consiste em esvaziar o inferno." Postas de parte essas esferas de provações, que antes deveriam talvez ser tidas como hospitais para almas fracas, do que como penitenciárias, as comunicações que nos vêm do outro mundo são acordes em declarar agradáveis as condições da vida no Além. Dizem elas que os que se assemelham se atraem reciprocamente, que os que se amam ou têm interesses comuns se reúnem, que a existência lá é cheia de atrações e ocupações e que nenhum deles desejaria de modo algum voltar à Terra. Todas essas notícias são efetivamente de molde
a nos proporcionarem grande alegria e repito que não dão motivo para uma fé ou uma esperança vagas, que, ao contrário, são amparadas por todas as leis da evidência, leis segundo as quais, sempre que muitas testemunhas, sem ligação alguma entre si, fazem depoimentos similares, justo é se considere como verdadeiro o que dizem. Se no que narram falassem de almas glorificadas, instantaneamente expurgados de todas as fraquezas humanas e de um constante êxtase de adoração em derredor do trono do onipotente, poder-se-ia suspeitar que suas narrativas fossem mero reflexo dessa teologia popular que todos os médiuns aprenderam na infância. Elas, entretanto, divergem profundamente de qualquer doutrina preexistente. Além disso, têm a apoiá-Ias, como já o fiz notar, não só a conformidade que apresentam, mas também o fato de serem o resultado final de longa série de fenômenos, todos atestados como reais pelos que cuidadosamente os observaram. A propósito dessa questão, em geral, da continuação da vida após a morte, poder objetar que já pela fé se tinha ciência dela. Mas a fé, conquanto cheia de beleza quando apreciada no individuo, tem sido sempre, nos corpos coletivos, uma arma de dois gumes. Tudo estaria bem, se uma só fosse à fé e constantes as intuições do gênero humano. Fé significa crença absoluta numa coisa que se não pode provar. Um diz: "A minha fé é isto." Outro diz: "A minha fé é aquilo." Nenhum dos dois pode provar o que afirma ser a sua fé, mas contendem sempre, ou mentalmente, ou, por fim, fisicamente. O que for mais farte se mostrará disposto a perseguir o outro, até obrigá-lo a partilhar da verdadeira fé. Porque a fé de Filipe II era forte e positiva, ele, com absoluta lógica, exterminou algumas centenas de milhares de mouros, na esperança de que, dentre estes, os que restassem com vida abraçariam a suprema verdade. Presentemente, se reconhecesse não ser razoável, de maneira alguma, exigir que os outros acreditem no que não possa ser provado, seriamos todas levados a observar os fatos, a meditar sobre eles e talvez se chegasse a um comum
acordo. Essa a razão por que o movimento psíquica se mostra tão importante. Ele assenta nalguma coisa de mais sólido do que textos, tradições ou intuições. E religião, de um duplo ponto de vista, do de dois mundos, em vez de o ser porque derive das antigas tradições de um mundo só. Não podemos considerar o outro mundo como gracioso jardim de uma praça holandesa, tão limitado que seja possível descrevê-lo facilmente. É provável que os mensageiros que vêm ter conosco se achem todos, mais ou menos, em estado de desenvolvimento e representem uma como vaga de vida que se afasta das nossas praias. As comunicações, geralmente, procedem dos que daqui partiram não há muito tempo e tendem a enfraquecer-se, como é de esperar. A este propósito vem de molde notar que as reaparições do Cristo a seus discípulos ou a Paulo se verificaram, ao que consta, quando ainda muito poucos anos haviam decorrido depois de sua morte e que os primeiros cristãos nunca pretenderam tê-lo visto posteriormente. Não são abundantes os casos de manifestação de espíritos que tenham desencarnado há longo tempo e que dêem provas aceitáveis de autenticidade. Na vida do Sr. Dawson Roger se conta o de um espírito que disse chamar-se Mantone que pretendia ter nascido em Lawrence Lydiard e ter sido enterrado em Stoke Newington, no ano de 1677. Ficou depois claramente demonstrado que existiu um homem assim chamado e que fora capelão de Oliver Cromwell. Tanto quanto o que tenho lido me permite saber, é o espírito mais antigo cuja manifestação se pôde registrar. Em regra, os que nos vêm falar daqui se foram muito recentemente. Daí se segue que os informes que obtemos não vão além do que alcancem os conhecimentos dos que pertenceram a uma geração anterior à nossa, se tanto, e que não podemos tomar como completas as informações que nos dão, mas apenas como parciais. Que os espíritos podem ver as coisas sob aspectos diferentes, de conformidade com os progressos que realizem no outro mundo, é fato que Miss Júlia Ames tornou patente.
Ela, que a princípio se mostrou impressionada pela necessidade da fundação de um escritório de comunicações, passados quinze anos, reconheceu não haver no Além, dentre um milhão de espíritos, nenhum que ainda quisesse comunicar-se conosco, desde que já tivesse junto de si aqueles a quem amava. Miss Júlia se equivocara porque, ao chegar no Além, todos os que encontrou estavam lá também de pouco tempo. Parciais, pois, devem ser as narrações que conseguimos, porém, mesmo assim, são bastante substanciosas e extraordinariamente interessantes, visto que se referem aos nossos próprios destinos e aos daqueles a quem amamos. Todos os espíritos que nos fornecem concordam em que a vida no invisível é de duração limitada, que em seguida eles passam a outras fases, entre as quais aparentemente há mais comunicação do que entre nós e o mundo espiritual. Os que estão nos planos inferiores não podem ascender aos planos superiores, mas os que nestes se acham podem baixar livremente ao meio daqueles. Lá, a vida apresenta estreita analogia com a deste mundo, no que esta tem de superior. Entretanto, ao passo que esta é corporal, aquela e eminentemente uma vida mental, isenta, por conseguinte, das preocupações de alimentação, de dinheiro, de luxúria, de sofrimento, etc., etc., votada sobretudo ao cultivo das artes, da música, de todos os conhecimentos intelectuais e espirituais e a todos os progressos. Os seres vivem vestidos, como era de esperar, porquanto nenhuma razão há para que renunciem à decência sob as novas formas que tomam. Estas novas formas são a reprodução fiel das humanas, mas aperfeiçoadas, envelhecendo os jovens e remoçando os velhos, quanto seja necessário a que todos venham a ficar num meio-termo normal. Vivem em comunidades, como fora de supor, desde que entre os que se assemelham há atração. O espírito masculino lá encontra a sua companheira, se bem não haja sexualidade, no sentido grosseiro da palavra, nem, portanto, nascimentos.
Uma vez que as ligações se mantêm e que os que se acham no mesmo grau de desenvolvimento se ombreiam, lícito é imaginar que as nações se conservem rigorosamente separadas umas das outras, embora não forme barreira posta entre elas à diversidade dos idiomas, por isso que a linguagem do pensamento é a de que ss servem os espíritos para se comunicarem. Da íntima ligação que existe no Além entre as almas afins, temos notável exemplo no modo por que Myers, Gurney e Roden Noel, que na terra foram amigos e colaboradores, juntamente nos transmitiram mensagens por intermédio da Sra. Holland, que os não tinha conhecido, sendo a mensagem de cada um perfeitamente característica para quem o conhecera como homem. Outro exemplo é o dos professores Verrall e Butcher, famosos sábios gregos, que, de colaboração, produziram o Problema grego, analisado, em O ouvido de Dionísio, pelo Sr. Gerald Balfour, que, com a sua grande autoridade, declarou não poder tal resultado ser obtido por nenhumas outras entidades que não fossem Verrall e Butcher. De passagem, devemos fazer notar que estes e outros exemplos claramente mostram que os espíritos, ou dispõem de excelente biblioteca a que se reportam, ou, então, possuem uma memória que, por assim dizer, os torna oniscientes. A nenhuma memória humana seria possível fazer tantas citações exatas quantas se nos deparam nas comunicações insertas em O ouvido de Dionísio. Tais são, grosseiramente traçadas, as linhas gerais da vida no Além, na sua mais simples expressão. Dizemos - na sua mais simples expressão - porque nem tudo nela é simples. Infinitos círculos inferiores se sucedem até às trevas, como infinitos outros se escalonam até à glória, todos progressivos, todos obedecendo a uma destinação, todos cheios de vida ativa, dos quais mal nos chegam pálidos vislumbres. Os nossos informantes são unânimes em dizer que nenhuma das religiões terrenas leva vantagem a qualquer das outras, que o caráter e a pureza dos sentimentos são tudo. Concordam, porém, ao mesmo tempo, em considerar boas
todas as religiões que inculcam a prece e recomendam que volvamos os olhares para o Alto, de preferência a tê-los postos naquilo que se acha ao nosso nível. Neste sentido, que não em outro, como um amparo para a vida espiritual, todas as formas religiosas tem a sua utilidade. Assim, bom é incontestavelmente que a tibetano passe parte da seu tempo a fazer girar um cilindro de bronze, desde que isso o leva a admitir a existência de alguma coisa mais elevada do que as montanhas do seu país e mais preciosa do que seus bois. Nada temos que criticar nesse terreno. Há ainda um ponto de que devemos tratar aqui e que, assustador à primeira vista, se impõe ao nosso raciocínio, quando sobre ele refletimos. É a afirmação constante que nos fazem do Além de que os que lá chegam não sabem que morreram e que muito tempo decorre, tempo às vezes bastante longo, antes que se inteirem desse fato. Dizem todos que esse estado de desorientação é prejudicial e atrasa o espírito e são acordes em que o possuir desde aqui um certo conhecimento da verdade ora revelada ao mundo constitui o único meio seguro de evitar semelhante situação no invisível. Não é de admirar que os espíritos, reconhecendo serem inteiramente diversas das que os seus conhecimentos científicos ou religiosos os faziam esperar, as condições em que se encontram, considerem como um sonho as novas sensações que experimentam. E quanto mais rigidamente ortodoxas tenham sido suas opiniões, tanto mais difícil lhes será aceitar o novo meio a que passaram com tudo o que ele envolve. Por esta razão e muitas outras, a nova revelação é uma necessidade para o gênero humano. Ressalta dai como ponto de importância prática, que obra útil realizariam os velhos enriquecendo de conhecimentos seus espíritos, porquanto, se lhes não restasse mais tempo de tirar neste mundo proveito dos mais recentemente adquiridos, eles se conservariam como parte integrante da sua bagagem mental no outro. Quanto às particularidades mínimas da outra vida, melhor será talvez não tratar delas, pela excelente razão de serem
mínimas. Conhecemos por nós mesmos, dentro em pouco; só uma vã curiosidade nos levaria a interrogar os mortos a esse respeito. Uma coisa é positiva: há no Além inteligências elevadas, para as quais é de manejo corrente a química sintética, que não se elabora a substância como também modela as formas. Temo-Ias visto operar nas sessões, de maneira perceptível aos nossos sentidos materiais, servindo-se dos mais vulgares médiuns. Se podem executar simulacros em uma sessão na Terra, que não devemos esperar que façam quando trabalham com objetos etéreos, nesse éter que é o meio próprio deles! De um modo geral se pode dizer que têm a possibilidade de fazer alguma coisa de análogo a tudo quanto existe na Terra. De que jeito chegam a fazë-lo pode bem não passar de conjetura e especulação para os espíritos menos adiantados, como os fenômenos da ciência moderna para nós. Se um de nós fosse de súbito chamado por um habitante de qualquer mundo subumano para explicar com exatidão o que vem a ser a gravidade, ou o magnetismo, como se veria desamparado! Ficaríamos então na posição desse jovem engenheiro soldado Raymond Lodge, que tenta expor uma teoria da matéria no Além, teoria que muito provavelmente será contraditada por qualquer outro espírito que também se entregue a conjeturar de coisas que se acham acima de sua capacidade. Perde ele estar certo e pode estar errado. O que não sofre dúvida é que se esforça por dizer o que pensa, como o faríamos nós mesmos em análoga circunstância. Ele crê que os químicos transcendentes são capazes de tudo fazer e que mesmo a produção de substâncias como o álcool e o tabaco pode estar ao seu alcance, podendo, todavia, ser também da alçada de espíritos não regenerados. Isto divertiu a tal ponto os críticos que, lendo-se-lhes os comentários, se diria que aquele livro de quatrocentas páginas compactas nada mais encerra além dessa proposição. Raymond pode estar certo e pode estar errado; mas, na minha opinião, o incidente prova tão-só a inquebrantável coragem e a
honestidade daquele que o provocou, sabendo que espécie de arma colocava nas mãos de seus inimigos. Muitos há que protestam porque o outro mundo, conforme de lá no-lo descrevem, é demasiado material para o gosto deles. Não era assim que o desejavam. Seja! Há neste mundo muitas coisas que parecem discordantes dos nossos desejos, mas que nem por isso deixam de existir. Quando nos dispomos a examinar essa pecha de materialismo e tentamos erigir um sistema qualquer que satisfaça aos idealistas, vemos que a tarefa se apresenta dificílima. Deveríamos talvez tornar-nos meras paveias de gasosa felicidade a flutuarem no ar. Parece que esta é a idéia de tais críticos. Mas se lá no Além não tivéssemos corpo semelhante ao que aqui temos, se nada conservássemos do caráter que aqui nos individualiza, como desejariam aqueles críticos, então nos extinguíamos. Que diria uma mãe a quem mostrassem, como sendo seu filho, um ser glorioso, mas impessoal? Diria: "Este não é o filho que perdi; quero seus cabelos dourados, seu sorriso vivaz, seus modos gráceis, que eu tão bem conheço." É isso o que ela quer isso, creio, o que terá, não todavia por qualquer sistema que de nós elimine tudo a que nos reste de material e nos transporte para uma vaga região de flutuantes emoções. Em oposição a esta, há uma outra escola de críticas para os quais a dificuldade em aceitar a vida espiritual, como nos é descrita, está em serem lá muito agudas as percepções, muito fortes as emoções e muito compacto o meio ambiente, todo feito de tão diáfano material. Lembremo-nos de que tudo depende da comparação que estabeleçamos com as coisas que nos cercam. Se conhecêssemos um mundo mil vezes mais denso, mais pesado e mais sombrio do que o nosso, facilmente reconheceríamos que a seus habitantes ele pareceria o que a Terra nos parece a nós, porquanto a força e a contextura deles seriam proporcionados ao seu habitat. Se, entretanto, os habitantes de tal mundo se pusessem em contacto conosco, considerar-nos-iam como seres extraordinariamente aéreos,vivendo numa estranha atmosfera luminosa e espiritual. Não se dariam conta de que, estando os nossos seres de harmonia e em proporção com o nosso meio ambiente, também nós sentimos e agimos exatamente como eles o fazem. Consideremos agora o caso de um outro domínio de vida tão acima de nós quanto abaixo estivesse à coletividade pesada de que acabamos de falar. Parecer-nos-ia também que os seres lá existentes, os espíritos, como lhes chamamos, vivem quais sombras num meio vaporoso. Não nos apercebemos de que também lá tudo é proporcionado e harmônico, de sorte que a região, onde se movem ou habitam os espíritos, parecendo-nos a visão de um sonho, é tão real para eles como o são para nós o cenário em que nos movemos e o meio que habitamos e que o corpo de um é tão tangível para outro espírito como os nossos corpos terrenos o são para os nossos amigos.
Arthur Conan Doyle

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