O preço da raiva

Sê como o sândalo, que perfuma o machado que o fere.
Na maioria das vezes, a emoção resultante da raiva nos proporciona uma sensação de alívio, ao mesmo tempo em que faz assomar-se em nós um sentimento de poder e de controle da situação pela qual vamos pagar, posteriormente, um alto preço. As consequências  dessa conduta são sérias, com desfechos funestos e imprevisíveis. Neste capítulo abordaremos a raiva que gera a doença. Para melhor compreendê-la, precisamos habilitar-nos a substituir essa sensação desconfortante e desequilibrada pelos mecanismos do perdão e do autoperdão que geram vida saudável. Em muitos casos, o preço da raiva é notório: – uma amizade que fenece; – uma frase pronunciada num tom mais seco ou áspero; – situação de pressão ou desequilíbrio na área profissional; – um relacionamento afetivo que se desgasta, no qual as duas partes estão sempre armadas, prontas para o bate-boca... Enfim, as consequências são inúmeras e muitas vezes inesperadas. A raiva dilacera a nossa predisposição para a boa vontade,
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para tratar as situações delicadas com tato e diplomacia, elementos esses primordiais na manutenção da paz necessária e imprescindível a todos os relacionamentos. Oportuno é lembrar que as pessoas enraivecidas são consideradas perigosas, nocivas à sociedade. A pessoa que expressa raiva atemoriza, causa repulsa e afasta os que com ela convivem. Esse comportamento enfraquece laços afetivos, deteriora amizades consolidadas, deixando um rastro desolador de amargura e solidão, porque ninguém quer desfrutar da companhia daquele que se tornou persona non grata no convívio social. A reação das demais pessoas é a de se protegerem, evitando as oportunidades de aproximação, a fim de não participarem de possíveis embates. Em muitas situações, a raiva conduz à agressão e a agressão alimenta a raiva, robustecendo-a. Essa parceria doentia cria uma viciação com dois componentes: a culpa e o ressentimento. Quanto mais agressivos verbal ou fisicamente, mais culpados e ressentidos ficamos. Isso produz combustível para gerar novos ataques de raiva, virando uma bola de fogo que queima, machuca, não para e provoca dor. Importante ressaltar que a raiva causa mágoa. Ela rouba a graça dos acontecimentos, produz solidão, afeta nossas resistências físicas e psicológicas ocasionando doenças, porque quem perde os vínculos sociais fragiliza-se e fica mais suscetível a enfermidades de todos os tipos. Alguns sentimentos são acionados pela raiva, como: ansiedade, medo, depressão, mágoa, frustração, culpa, vergonha e perda. Repetindo-se o fato ao longo do tempo, instalam-se doenças ou manifesta-se a própria doença em si. Como deixar de sentir raiva ou reduzir essa compulsão em nós? Recomendamos a “terapia do perdão”, olhar as pessoas com olhos de compaixão, estratégia que abordaremos mais adiante. Necessário se faz entendermos o funcionamento e a ação da raiva, para administrarmos o remédio ou o antídoto correto para ela.
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ExEmplos do prEço da raiva
Identificar os primeiros sintomas da raiva, não permitindo que ela avance e inicie seus efeitos, é um grande passo para todos que desejam se libertar desse comportamento desastroso. O cultivo do equilíbrio e o uso do bom-senso ajudam muito no processo de preservação da saúde. Sem essa disciplina, sem a fiel balança da vigilância, vez por outra nos deixamos contaminar por fatores externos que nos enraivecem, nos enlouquecem e nos fazem perder a razão. Usando nomes fictícios, daremos, a seguir, alguns exemplos de situações em que a raiva trouxe consequências bastante  desagradáveis.
Caso um
Atendemos no consultório uma cliente de nome Lucila. Quarenta e dois anos, bem-sucedida em sua carreira de secretária, uma mulher moderna, decidida, conectada com os acontecimentos  globais. Motivo da consulta: colite frequente sem causas detectadas, sintoma relativamente recente. Ela não sabia especificar exatamente quando havia se iniciado o problema. Num esforço de memória, disse vagamente que passou a sentir os sintomas havia cerca de uns quatro ou cinco anos. Analisando a questão, verificamos que o seu peso era compatível com a sua estatura, que ela alimentava-se corretamente, sempre atenta à qualidade e quantidade dos alimentos ingeridos. Feita a anamnese básica, nada encontramos que justificasse as crises e o mal-estar. Partimos então para uma pesquisa derivacional, utilizando os recursos dos “estados alterados de consciência” – EAC – através de técnicas da Hipnose Ericksoniana. Após a calibragem dos sentidos da cliente, começamos uma busca em seus arquivos mentais, usando uma leve e progressiva regressão
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de idade, com o objetivo de identificar a primeira vez que esse fato havia ocorrido, já que ela afirmara não reconhecer qualquer motivo ou situação que pudesse justificar aquele sintoma. Lucila estava em EAC, transe tranquilo, através de indução hipnótica, sob o comando de nossa voz. Realizamos o flashback levando-a gradativamente a retroceder algumas semanas, depois meses, depois anos. Ela voltou cerca de dez anos, momento em que conferimos se, nessa época, ela sentia algum sintoma da atual reclamação, obtendo resposta negativa. Trouxemo-la novamente para o presente, conduzindo-a de período a período com atenção, quando, repentinamente, ela mudou o tom de voz, dizendo com firmeza: – Vou chegar atrasada! Ai, que raiva! Essa técnica é realizada com a cliente confortavelmente assentada em uma cadeira, quase sempre de olhos fechados, bem relaxada. Ela, que até então estava tranquila, voz normal para suave, musculatura relaxada, mudou completamente: sua voz ficou forte, sua musculatura enrijeceu-se, o corpo mudou de postura, as mãos se fecharam nervosamente, como se fosse socar alguém ou alguma coisa, sua fácies ficou fortemente contraída e a respiração tornou-se ofegante. Solicito que ela descreva onde e como está. Com certa dificuldade, em um tom forte de voz, ela diz que está em uma fila, numa agência dos Correios, para remessa de encomenda urgente. O relógio na parede do ambiente marca 13h10min. Ela precisa voltar ao trabalho, situado no mesmo quarteirão, pontualmente às 13h30min. A empresa onde ela trabalha valoriza e premia quem é pontual. Ela observa o número de pessoas à sua frente. Se a fila fluir bem, dará tempo... Porém, ela nota que, dos quatro caixas em funcionamento, três se fecham e a lentidão começa. Ela verifica que há mais cinco pessoas à sua frente para serem atendidas, e mais agitada ela fica ao
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perceber que essas pessoas atendidas nos caixas estão conversando. Um senhor de idade avançada procura em sua pasta algum documento necessário para finalizar o atendimento e não o encontra. Os minutos vão se esvaindo e, com eles, a sua chance de chegar pontualmente ao trabalho. Assim, Lucila ouve e vive o caso de cada uma das pessoas à sua frente, pensando que, se chegar atrasada um minuto no trabalho, perderá sua pontuação de vários anos, na qual nunca houvera uma mácula. Ela era perfeccionista, a única funcionária da empresa que sempre chegava adiantada. A fila empaca. Mental e emocionalmente ela começa a sentir uma raiva sempre crescente. Deixa-se consumir por emoções desconcertantes, cada vez mais intensas, irritando-se até mesmo com o burburinho atrás dela. A fila cresce, as pessoas reclamam, tudo isso somado aumenta a sua irritação e alimenta a sua raiva. Após o atendimento, as pessoas permanecem no mesmo lugar, até guardarem seus pertences, não cedendo a vez. Enfim, ela começa a sentir-se mal, seu ritmo cardíaco está mais acelerado, muito impaciente, boca seca, dor no estômago. A raiva toma conta e Lucila está prestes a explodir verbalmente dentro daquela agência. Naquela mesma tarde, por volta das 14h, já em sua sala de trabalho, ela experimentou um leve mal-estar que foi aumentando, chegando a agravar com dores fortes abdominais, seguidas de uma crise intestinal. Foi a primeira vez que esses sintomas se manifestariam, descreve-nos ela, em estado hipnótico profundo. Ainda em estado de transe, ela afirma que, a partir de então, quando qualquer coisa saía de seu controle perfeccionista, voltavam os sintomas. Com a repetição, instalou-se o quadro orgânico diagnosticado e confirmado em exames como colite. Utilizamos as técnicas apropriadas para reorganizar esse momento de sua vida e as sensações que estavam sendo desencadeadas. Tratava-se, pois, de um acontecimento mal resolvido, não digerido pelo consciente, que submergiu ao subconsciente, fermen
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tado e ampliado pelo lado sombra e despertado a cada pequeno momento de raiva ou de impaciência que surgia no transcorrer de sua vida. Além dos recursos terapêuticos utilizados, orientamo-la quanto à necessidade de escolher uma alternativa, perante novos desafios, além de usar o autoconhecimento e, assim, processar cada situação de forma clara e gentil consigo mesma e com as outras pessoas ou partes envolvidas na questão, pois, conforme o título deste capítulo: a raiva adoece e até mata. Como dever de casa, demos a ela uma folha impressa com os passos e procedimentos da Terapia do Perdão  para serem repetidos diariamente até o nosso próximo encontro terapêutico. Os resultados foram positivos. Harmonizadas as partes do “eu emocional”, foi possível a melhora dos sintomas. Realizados novos exames, a colite havia desaparecido, não apenas em sensações, mas na regeneração dos tecidos internos no intestino, o que permitiu a supressão dos medicamentos pelo profissional de saúde que os havia prescrito. Paralelamente, ocorreram mudanças positivas e sensíveis em seu humor e em seus comportamentos diários, como o aumento da autoconfiança e o melhor uso do seu potencial emocional, tanto no trabalho quanto em sua vida particular.
Estratégias para rEduzir a raiva
É muito importante entendermos que a responsabilidade da nossa alegria ou da nossa dor é exclusivamente nossa. Somos responsáveis pela nossa própria dor e somos, ao mesmo tempo, a única pessoa que pode mudar a estratégia para atender às nossas necessidades prementes. Introduzindo esta regra em nossas mentes, automaticamente nos equipamos com recursos para revolucionar nossas atitudes diante das situações problemáticas. Compartilhamos, a seguir, alguns recursos e estratégias que
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recomendamos para reduzir o efeito da raiva em nós. Além de ajuda terapêutica, incluímos atividades pessoais e individuais, atividades religiosas e físicas, dentre outras.
atividade físiCa regular e Contínua
No interior das Minas Gerais existe um ditado que diz: “Angu de um dia só não engorda cachorro magro”. Assim, exercícios físicos praticados com frequência, regularidade e persistência, ajudam a descarregar a adrenalina presente em quem cultiva raiva, dispersando-a. Caminhar, nadar, praticar esporte coletivo não competitivo, mas por prazer, hidroginástica, tai-chi-chuan, yoga, etc. Lembramos que qualquer atividade aeróbica aumenta a oxigenação e a transpiração do corpo, reduzindo o estresse.
Choro da utilidade
Chorar lamentando ou reclamando, com revolta, abre portas para a ansiedade e a depressão, tornando-nos pessoas amargas. O “choro da utilidade” foi o que aprendemos com Matheus Fernandes  Fraga, Espírito, nosso amigo e benfeitor da FEAK. Explicamos essa técnica detalhadamente em nosso livro Perda de pessoas amadas. Este amigo espiritual nos ensinou a chorar com utilidade no perío do pós-desencarne de Kátia, minha primeira esposa. Colocando em prática sua sugestão, obtivemos muitos benefícios. A partir daí, passamos a compartilhar essa experiência com os frequentadores das Reuniões de entes queridos, bem como em palestras e seminários.
Multitarefas diárias
Atividades como limpar uma vidraça, lavar e passar roupa, varrer o quintal ou aspirar o pó da casa, cuidar de plantas, costurar
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ou bordar, seja qual for a tarefa, se realizada com atenção e carinho, ela é geradora de estado alfa, trazendo a sensação de relax e de bem-estar geral a quem as pratica.
Humor ecológico
Muito conhecido é o jargão “Rir ainda é o melhor remédio”. O ato de sorrir relaxa a musculatura da face e do corpo em geral, eliminando toxinas de cansaço e de estresse, liberando diversos neuropeptídios de comprovada ação positiva nos sistemas nervoso e linfático. Mas, atenção, pois quando dizemos humor ecológico estamos falando daquele que nos faz rir não de um tropeção, de uma “videocacetada” ou de qualquer imprevisto desagradável ocorrido com alguém, mas de algo que seja salutar para você e para quem passa pela situação.
Desabafo Da Dor
Comunicar, a quem seja possível, as sensações e sentimentos que você esteja vivenciando por um fato ocorrido. Lembramos-lhe a frase que já dissemos: o que você está fazendo com aquilo que aconteceu? É necessário “digerir” emocionalmente o ocorrido. Mas, com cuidado, para evitar a autopiedade e para não se achar um coitado. A Doutrina Espírita nos enseja o benefício do atendimento fraterno e, na instituição espírita que dirigimos – FEAK –, existe o SOS-Preces. Quando necessário e possível, procure ajuda terapêutica, preferencialmente com profissionais que conheçam as realidades do mundo espiritual e sua influência sobre nós.
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música, canto, Dança Ouvir ou executar música de boa qualidade, melódica, suave. Entrar para um coral, melhorar sua capacidade de cantar as músicas de seu gosto. Dançar com alegria e respeito a si e ao próximo. Ensinam que “quem canta seus males espanta, e quem dança a vida encanta”.
foco na solução Os orientais asseveram que “todo desafio já nasce com soluções”. Focar no fato que gerou a raiva alimenta esse sentimento e, ainda, o fortalece. Assim, busque a solução ou o que fazer para mudar a significação do ocorrido. Se tiver dúvidas, pergunte a si mesmo: o que eu faria, se Jesus estivesse aqui do meu lado? Pode ter certeza de que este filtro ajuda, e muito, a escolher a solução ou, caso existam alternativas, qual delas escolher.
meDitação, alongamentos, exercícios De relaxamento, lazer, contato com a natureza...
A lista é longa, demonstrando que, se você usar a sua imaginação, as possibilidades e os recursos do ambiente onde vive, explorando mais e melhor o ser holístico que todos somos poderá, então, encontrar portas de acesso a soluções saudáveis e ecológicas. Destacamos, ainda, na seara espírita:
leituras eDificantes Recomendamos tanto os clássicos da literatura espírita, com as obras de Kardec, Léon Denis, Flammarion e seus pares na Europa, como a vasta obra complementar produzida no Brasil. Também as obras psicografadas, e as de autores encarnados competentes.
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Fluidoterapia
É a capacidade de, através da doação de fluidos, interferir positivamente na saúde das pessoas. Transmissão de fluido magnético com finalidades superiores. Acontece principalmente através dos benefícios do passe e da água fluidificada.
Culto do evangelho no lar
Deve ser realizado, pelo menos uma vez por semana, em horário previamente estabelecido, se possível, com a presença de outros membros da família e, caso não seja possível, pode ser feito apenas por uma pessoa, lembrando que nunca estamos a sós, mas que há uma “nuvem de testemunhas” conosco, conforme já explicamos anteriormente neste mesmo capítulo.
Lapidando a raiva
Não vos digo que perdoeis até sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes. (Jesus, em Mateus 18:22) Fechando o capítulo, sugerimos a “terapia do perdão”. Para exercitarmos o perdão incondicional, imperioso se faz desenvolvermos o sentimento de compaixão, pois apenas assim a paz se instalará definitivamente na consciência humana. Enquanto vicejar dentro de nós a necessidade do desforço, da animosidade e da rebeldia em relação a pessoas ou a acontecimentos perturbadores, perdurarão os distúrbios da emoção que afetam a nossa saúde fisiológica e o nosso comportamento. Por mais sérias que tenham sido as ofensas e agressões sofridas, tenhamos em mente que é sempre mais infeliz aquele que aos demais perturba, mesmo que, conscientemente, não tenha ele ideia da gravidade da sua conduta infeliz.
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Para evitar a raiva e cultivar o perdão é necessário: – colocarmo-nos no lugar do outro; – afirmações para enfrentar a situação; – não revidarmos às ofensas; – sim ao perdão – olhos de compaixão.
Conclui-se, pois, que a raiva gera danos irremediáveis nos relacionamentos, gera distúrbios graves e é péssima companheira. Atentemo-nos para a frase de Tagore: “A terra, insultada, vinga-se dando-nos flores”. Sejamos como a Mãe-Terra, e seremos cada vez mais felizes.

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